5 de junho de 2009

As mãos do meu avô

De mãos é cada flor, cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade

Manuel Alegre

O meu avô habita a minha memória. Vejo-o recortado pelo verde de Arganil, bengala a domar as rugas da terra, passo meditado, impelido de uma vontade que o cárcere já não condescende à viagem.
Mas vai. Mas alcança.
Sentada ao lado do meu avô, observo-lhe os olhos azuis. Imagino-os tão profundos como as águas de um oceano que um dia ousou rasgar. As mãos do meu avô foram esculpidas pela idade, trazem a força do trabalho e da vontade e ainda desenham algumas palavras no ar, que a viva voz acompanha. “Sabes Ana, uma vez…”. E assim viajamos pelos meandros da memória do meu avô.
E vamos. E alcançamos.
Sei de mundos onde nunca estive, ávida de liberdade a perder de vista. Aprendo o valor do empenho, enlevo-me na dignidade e sabedoria que os olhos do meu avô espelham com uma grandeza tão humilde e desinteressada. E sinto-me de novo pequena, a aprender na escola da vida. Os olhos do meu avô iluminam caminhos e, estória acabada, as mãos repousam numa quietude de missão cumprida, ao mesmo passo que o meu imaginário se inquieta de alegria e vivacidade e o meu coração se enche do orgulho mais terno.
E vou, como ele.
E alcançarei, almejando carregar nas minhas mãos esta bagagem de exemplo e coragem, procurando merecer dizer com a mesma grandeza do meu avô “sou assim: não desanimo, em nada desanimo!”. Porque a história do meu avô semeia o minha estória, que agora estreia.
Porque o meu avô habitará sempre a minha memória

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