Há algo de amargo neste fim que
tarda na boca e no peito. O cenário muito desenquadrado. Miopias do coração.
Não vejo o fim que já terminou. Mas também não sei onde começa o início. Sei
que tracei o futuro e deixei-te pendente no ponto final das minhas palavras.
Equilibrado nessa bolinha preta que é um ponto final. Ainda tentaste controlá-la
por algum tempo. Mas magoaste-te no último passo de malabarismo. Depois de
tudo, já te abracei tantas vezes, deitei a tua cabeça no meu colo e disse-te
que tudo ia correr bem. Despenteei-te a melena só para a ordenar de novo. E
falei-te do futuro com certezas e determinação. Parecia eu e tudo. E parecias
tu, sossegado no embalo dos meus braços. Tranquilos. Mas quando abro os olhos e
tento ver o enquadramento, procuro-te dentro da moldura e não estás. Fui eu que
desenhei outra coisa. Onde só se vê o sol ao fundo e o meu pé à frente do
outro. Tu não estás. Ficaste atrás a dizer-me um adeus muito contido. Ficaste
pequenino à medida que eu avancei. Guardaste contigo os meus dias seguros, os
meus passos em ziguezague, a minha forma estranha de misturar o açúcar no café
e o pouco jeito que tenho para sorrir quando acordo. Promete que um dia abres
essa caixinha e deixas que voltem para mim. Para que eu possa ser eu só com a
nossa doce memória. A saudade é um sentimento que dói mais que os outros todos.
Mais que o amor. Provavelmente irias contrariar-me. Mas eu sei que assim é. A
saudade só existe porque o passado foi bom e porque não pode voltar-se atrás e remendar-se.
O remendo é sempre uma aproximação esquisita ao antigo, ao primeiro instante. Antigamente,
quando tínhamos os relógios acertados, os ponteiros agiam a favor do tempo. Eu
corri. Corrijo. Fugi. E o tempo parou, suspenso num momento voltado para
dentro, para o mais fundo de mim. Ninguém sabe onde ele fica e eu fechei-te a
porta. Não estou preparada para a abrir. Quero ficar em casa só, mercê do silêncio
das paredes que ergui. A cada gaveta que abro vejo uma falha na construção.. Descubro
que não sou perfeita e que nem sempre sei fazer o bem, como eu via nos desenhos
animados. E eu que julguei que nunca mais me esquecia. Gostar de ti não chega
para te dar a chave. Não agora. Agora que eu acho que posso gostar de mim aqui
dentro, com as minhas gavetas cheias de mim, bonita ou feia. Com aquela janela
onde vejo o sol. E sei que posso pôr um pé à frente do outro, sem te dar a mão.
Mas a sorrir-te. Na eternidade que só a ternura permite.
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