7 de abril de 2009

A eterna dúvida do albergado



Desci a Rambla pelos intrincados passeios de velhas edificações, maciças como o tempo, velhas como o tempo, esquecidas pelo tempo, passando por um tempo em que o tempo escasseia. Como o meu. Mas ali perdi o tempo, e foi muito bem aproveitado. O chão gasta-se sob uns pés catalães, de coração cheio de pátria, agarrando o resto de história que se esfuma por entre pessoas e pessoas e pessoas que não pertencem a Barcelona. Só eu me sinto de cá, tento absorver a história e por momentos julguei poder dar as mãos ao senhor de camisa às riscas e à senhora de sapatos beijes e bailar com eles aquela música. Celebrar o sol ou dizer adeus, a eterna dúvida do albergado. Mas fiquei sentada ao pé da tuba celebrando apenas o sol. Ah Sardanas! Quem me dera que fôssemos todos assim, de mãos unidas e fizéssemos um círculo de aço e fôssemos invencíveis e tivéssemos a liberdade na ponta dos pés, brincando livre no pó da rua. Com este espírito de união entrei na Catedral e assisti ao encerrar da missa. O espaço é tão grande e eu sou tão pequena. Oravam um dialecto que eu conhecia como a música da tabuada; por momentos pensei que sim, que era verdade, que toda aquela gente, eu incluída, ainda íamos parar ao Céu, onde iríamos ser todos felizes. Senti-me absolvida de ser humana. Estava livre. E no entanto regressava à Terra e, ao aperceber-me da arquitectura circundante, voltava à minha condição de “gente” e sentia-me de novo pequena. Porque grande era o sonho que habitava aquela casa e eu não era capaz de abarcá-lo no meu coração. Olhei outra vez para cima. Se isto tudo é verdade, “está tudo bem contigo avó? Olha, estou em Barcelona, a estudar e a viajar. Tens tempo agora de fazer tudo o que não fizeste em vida? Espero que já tenhas aprendido a ler, que continues a tecer as tuas camisolas de lã sob os teus óculos que costumavam reflectir sabedoria e agora só me reflectem os meus olhos chorosos. Já preguei botões aqui. Estudei, que para mim é. Cantei quando estive triste e sorri quando estive alegre. Estás a olhar por mim? Tenho saudades tuas. O meu tempo escasseia, tão rápido que não tive tempo de saber mais, de aprender mais contigo. Mas aprendi aquilo que é universal, a tratar bem toda a gente. Com vários apertos de mão e “à la paz de Cristo” disse adeus. Mas não a ti. Ainda não sou capaz. O tempo há-de sempre escassear. Tenho dúvidas e continuo albergada na tua memória, porque assim finjo que o tempo não me rouba a memória que não deixa este pedaço do meu coração vazio”.


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