3 de junho de 2011

1 de Junho de 2011

Pai,

das minhas coisas de criança, lembro-me de muitas. Lembro-me de a mãe me chamar à cozinha para ler a carta do pai que estava longe. Que dizia que eu tinha que me portar bem e ser boa. Fizeste-me um desenho em que me davas a mão, a mim e à Carla Chica. Nessa noite chorei muito, vexada por não me portar como o meu pai me ensinou. E tentei com muita força ser melhor. Pegavas-me ao colo só com um braço e apontavas com o indicador para os pássaros, a cor das árvores, a nora no rio Alva. E eu olhava sempre com os olhos muito abertos como se assim absorvesse mais, a tentar acompanhar-te, sempre muito atenta e cheia de um respeito que dificilmente me cabe no peito. Os grilos apanhavam-se com palhinhas, muitos, muitos. E nós, pé ante pé, agachados, ouvido bem abertos, no Mont’Alto, ao cair da tarde, o sol laranja, lindo, reflectido na casca do pinheiro e a irromper por entre as folhas e as mimosas tornava o momento gracioso como uma gravura. Gostava de te dar a mão e saltar de rocha em rocha na Ericeira, lapas e rochas socadas pala força das ondas, salpicos salgados de mar e um cheiro a maresia, o ar húmido e pesado, gaivotas em terra na Primavera. E as festas na cabeça para eu adormecer e afastar qualquer mal. Um xi-coração para dizer adeus, “olho vivo e pé ligeiro”.
E um dia, sem reparar nisso, levanto a cabeça dos livros, estou crescida. Sou uma mulher com responsabilidades e um emprego. Carrego as obrigações do mundo nos alicerces, sei mais, tenho mais. Para onde foi o sonho? Quando é que brincar deixou de fazer parte do horário? Onde deixei a gargalhada fácil? Algures num trecho da “Machadinha”.
Hoje, só hoje, leva-me outra vez ao colo. Porque no fundo, no fundo, ainda sou a menina do meu Pai.

Beijinhos Pai. Tem Um feliz dia!

Da tua filha,
Ana Margarida Neves

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