1. Acenar
positivamente com a cabeça. Daremos a ideia de que estamos de acordo, somos
coniventes. Podemos eventualmente traçar uma obliquidade no sobrolho e esgalhar
um sorriso de boca fechada, mona-lisa mas menos complacente. Assim, passaremos
a imagem de que aceitamos a opinião do outro, gostamos dela e alçaremos o ânus
para que a mesma proceda à introdução de todo tipo de formas de compadrio.
2. Parecer
atarefado. Andar com folhas de um lado para o outro. Suspirar. Escrever muitas
coisas em post-its e afixar em torno do computador. Suspirar com mais afinco.
Fazer telefonemas. Preencher agendas. A pro-actividade é fundamental. Mas só
quando se dá o terceiro suspiro e se diz “Boa noite Adélia. Até amanhã!”,
enquanto se olha para o relógio e se verifica que foi o penúltimo empregado a
sair do escritório. O último tem de ser o chefe, que assistiu com denotado
orgulho a esta azáfama. Na verdade, a última é a Adélia, que limpa o chão e
abre umas gavetas aleatoriamente.
3. A
estatística é importante. Se a colega foi fumar três vezes lá fora, só se pode
ir duas.
Penúltimo a
sair. Menos pausas para fumar, a um nível significância de 5%, isto porque a
colega pode ter-se esquecido do maço em casa.
4. Mandar
e-mails. Muitos. Todos eles com o
devido cumprimento. Bom dia se for de manhã. Boa tarde, caso já tenha almoçado.
Boa noite, caso ainda esteja no escritório com a Adélia. Desaconselho vivamente
o “olá”. Tira todo o espaço que tem de haver entre duas pessoas de bem –
profissionais na boa execução da sua profissão tão profissional, cheia de
profissionalismo. Em todos eles a pessoa subscreve-se, com elevada reverência, apreciação,
admiração, consideração. Pronto, bajulação. Mas a não execução deste ponto
invalida o ponto número 1 e deita por terra o seu sucesso no tecido
empresarial.
5. Estar
sempre disponível. Presente. Com a resposta certa na ponta da língua. Se não
souber o que dizer, atire um simples “compreendo”,
“estou a ver” ou “tratarei deste assunto ainda hoje”, seguidos de “ah, mas
iremos atingir os targets” ou ainda “vou já proceder à execução do balancete”.
6. Sorrir.
Porque todo o seu ser deve estremecer com as piadas de um superior. Essas vibrações
serão passadas através da atmosfera ao seu chefe, abrindo o quinto chakra, e isso só pode ser bom. O
universo alinha-se para que seja um deles, com eles, na unidade do tolo santo.
7. Não
reivindicar. Mais vale uma pomba na mão do que duas a voar. Tem que pagar a
casa e alimentar-se, não se esqueça. Se perde o emprego, volta para casa dos
seus pais e tem que partilhar uma cama com o Pantufa, que entretanto dorme na
sala dos arrumos e de passar-a-ferro.
8. Aifoune-se!
Dedilhar com o indicador confere um ar inteligente, de pessoa que domina os
gadgets como as tendências da bolsa. E pode aceder em tempo real aos e-mails,
conseguindo atingir facilmente o ponto 4.
9. Agradecer
tudo. Por acordar todos os dias, por respirar o ar da sua empresa, por fazer
parte, por poder ter uma chapa identificativa com o seu nome, um uniforme,
picar o ponto. É um orgulho ímpar.
10. Estar
convictamente feliz por amanhã ser igual sem que tenha feito nada para mudar.
Não vale a pena. Está tudo certíssimo. Obrigada. Suspiro. Subscrevo-me com a
mais elevada (ou enlevada, se quiser ir mais longe) consideração. Suspiro mais
audível. Combinado e sempre às ordens. Disponha. Boa noite. Adeus Adélia. Hashtag
chegada a casa, hashtag dia de merda hashtag balde de gelado a ver o meu
glorioso.
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