Revi-as todas, de rajada, como se quisesse que a saudade me
entrasse rapidamente pelos olhos dentro, na tentativa de que a dose me matasse
sem possibilidade de me ressuscitar de novo para isto. Não sei que vazio é este
que se enche de ti a cada lembrança, a cada pormenor dos dias que moem. Apetece-me
bater à tua porta e obrigar-te a acolher-me no teu abraço do qual deserdaste o
meu peito. Fazer-te pedir desculpa até eu acreditar. Ter a resposta para os
meus porquês.
O que é que eu faço ao futuro que imaginei contigo?
Talvez o entregue nas mãos de alguém que me queira de
verdade. Que finja ter as certezas que tu nunca tiveste. Mas eu não consigo
tirar-te de dentro. A angústia de habitar a mesma cidade contigo e de nunca
mais trilharmos os mesmos caminhos. O som dos meus passos solitários na calçada
e aquele silêncio de quem vai sozinho. Tudo parece ter o tamanho
desproporcional da visão periférica. Tudo a passar-me pela cabeça. Eu vou aí e
obrigo-te a gostar de mim, como fiz das outras vezes todas. Faço aquele truque
em que tu te iludes com isso durante uns meses e fica tudo bem só mais esta
vez.
E depois estamos juntos a tirar o pior um do outro, eu a
tentar mudar-te e tu a contrariar todas as minhas opiniões. Juntos porque não
vamos saber como estar de outra forma, certos de que o fim chegará sempre. A correr
desse momento de mãos dadas com força e a chorar do nosso próprio amor que
teima em renovar-se e a destruir-se a cada estação. Eu sei que não posso estar
contigo. Tu sabes que eu não preencho os requisitos. Somos muito imperfeitos, e
muito mais juntos. Mas se me tocasses só aquela canção na guitarra para afastar
o monstro dos meus lençóis, valia a pena mais umas lágrimas. Tantas quantas
quisesses. E assim deitas por terra o meu orgulho encapotado e fazes-me
regredir à crueza de quem realmente sou.
Por isso diz-me adeus de uma vez por todas. E eu olho-te de
soslaio a troçar da minha própria altivez.